quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Diante do Espelho

  

E ninguém ouvirá seus passos sobre o calçamento na noite. O que fizeste há minutos poderá ser totalmente esquecido, já que nem mesmo tu tomaste consciência sobre o que tuas agressivas e insaciáveis mãos buscaram em luxúria, ódio ou desejo. Não é preciso correr...

Meu fantástico amigo hoje já se pode dispensar capa e máscara. O descaramento generalizado torna o embuçar-se coisa antiga, cheirando a mofo e naftalina. E sobre o caráter...

Afinal, foram criadas as sextas para golpes, assassínios e orgias (sai imediatamente dessa cama quente!!). Se tua consciência ainda te incomoda, deita-a fora e padroniza-te pelas mais modernas filosofias. Dos objetivos absolvendo os modos, de tudo vale na conquista de “status-quo”, de prazeres ou de uma rápida redenção.

A mim podes confessar sem susto – já meus olhos não se maravilham ou assustam após séculos vendo o mundo – conta se te alivia que o desejo é a melhor forma de amar, e que, mais que a fúria, a simples curiosidade de sentir e ver um corpo expirar foi o que te levou ao homicídio.

Eu compreendo. E não poderia atirar a primeira pedra sem correr o risco de receber algum estilhaço. A verdade não se deve mais envolver em sedas e veludos (é preciso que aflorem os espinhos). Por maior que seja tua repulsa, olha-te, este é o teu raso, a sobra da massa em que te transformaram e que hoje (sem um tremer de cílios!) contemplas.

Faça um bom proveito de ti...

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Lições de Uma Triste Figura


“Sonhar..
Mas um sonho impossível
Lutar
Quando é fácil ceder
Vencer o inimigo invencível
Negar quando a regra é vender” (
Sonho Impossível -J. Darion - M. Leigh - Versão Chico Buarque e Ruy Guerra/1972 Para o musical para O Homem de La Mancha de Ruy Guerra)
Preciso confessar uma coisa; sempre fui fã de filmes e romances de cavalaria. Rei Artur, Lancelote, Gawain, Ivanhoé, Ricardo Coração de Leão, enchiam minha cabeça de menino não apenas de atos de bravura física, mas de ética, coragem moral e companheirismo.  
Já mais adolescente, quando geralmente  abandonamos, ou até mesmo passamos a nos envergonhar das coisas de menino, fui apresentado a Dom Quixote de La Mancha.
O mais interessante é que quem me recomendou o livro tinha por intenção alertar sobre os perigos da leitura em excesso. O bom fidalgo, de tanto ler, enlouquece, e passa a ver tudo sob o manto da fantasia, ou do personagem por ele assumido. Um Cavaleiro da Triste Figura, magro, velho, alquebrado, cavalgando um pangaré com uma bacia de metal na cabeça, um  escudo e espada de terceira, e uma vontade imensa de acabar com os perigos do mundo.
Graças a Deus, não peguei medo da leitura. Graças a Deus, um pouco da loucura e principalmente das lições dessa Triste Figura, me marcaram por toda a vida.
Aprendi com Quixote, que para ser cavaleiro, basta a coragem, a vontade e a ousadia. As armas, bem, uma bacia (ou panela como mostrou Ziraldo), uma espada enferrujada, uma lança de madeira, um escudo feito por uma bandeja, um pangaré às portas da morte, e uma estrada pra seguir em frente.
Ensinou-me também Quixote, que a mulher que amamos sempre será uma nobre ou princesa, e que seus amigos e companheiros são heroicos e valentes.
Aprendi que a casa que me acolhe, por mais humilde que seja, é um castelo.
Que existe uma magia ruim, tentando me fazer ver as coisas diferentes do que são.
Mas a principal lição é aquela de que o verdadeiro cavaleiro põe à disposição da justiça e dos injustiçados sua força e suas armas. E quanto maior e mais forte for o adversário, proporcionalmente o será a glória de enfrentá-lo.
Ah, e aprendi a não dar ouvidos quando me dizem que são moinhos, não são não. São ogros gigantes que querem nos engolir. São imensos e malévolos seres, que se alimentam de almas, que devoram espíritos e vontades.
Cavaleiro da Triste Figura, que ao voltar pra casa conclui que não existem mais heróis, apesar das injustiças muitas pela estrada em diante.
Cavaleiro da Triste, Ridícula e Amada Figura, vem comigo a recolher as luvas atiradas em desafio e a provar a todos que devemos “lutar, quando é fácil ceder”. Pegue sua espada, escudo e bacia, e vamos em frente, que os moinhos não nos enganam, são monstros e gigantes, que precisam urgentemente ser derrotados, para que enfim tenhamos um pouco de paz.