domingo, 28 de agosto de 2011

AINDA SOBRE A LOUCURA



Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas ideias e os vossos sentimentos!... que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois!” (Charles Chaplin in “O grande Ditador”.).
Saindo recentemente de uma empresa (coisa que me deixou mais feliz que triste), qual não foi minha surpresa ao descobrir que vários de meus direitos de trabalhador não haviam sido respeitados. E, ao reclamar, ouço da ex-colega “a gente sabe que está errado, avisa que não é pra fazer assim, mas mandam fazer... estou só fazendo o que me mandam...”.
Viajo no tempo. Ano de 1998, auditoria na emissora de TV onde trabalhava, auditores enviados pela matriz me chamam: “Olha, descobrimos coisas seríssimas sobre o Edson, (diretor local) mas não temos como provar. Então, a gente quer te fazer uma proposta: você denuncia o Edson pra gente, nós o demitimos, e você é promovido pro lugar dele. Você sabe que quando nós o contratamos, o Edson até votou contra...” Bem, resultado; saímos eu e Edson. Como estava em uma cidade estranha e distante, onde tinha poucos amigos, penei meses sem conseguir trabalhar, indo inclusive assumir uma função em outra cidade, 500 km distante passando a ver minha família a cada 15 dias.
Antes que você faça a pergunta, respondo; o Edson era apenas um colega de trabalho, não o melhor amigo. Tínhamos até pouca convivência, fora da empresa. Também não acho que sou uma espécie de santo, ou herói. Mas tenho certeza de que sou um homem de bem.
Volto ainda mais longe no tempo. Novembro de 1945, julgamento de Nuremberg, a maioria dos acusados alega que estava “apenas cumprindo ordens”, e mesmo com essa alegação tão bem aceita em um tribunal militar, muitos foram condenados à morte por enforcamento. Porque não se consegue conceber que alguém cumpra ordens que burle a lei, fazendo sofrer ou prejudicando seus semelhantes. E notem todos que o mundo estava saindo de uma guerra, e a maioria dos condenados era soldado, cumprindo ordens em período de guerra.
De volta aos dias de hoje, e ao meu insignificante caso pessoal. CUMPRINDO ORDENS!!! De que massa você é feita? Da mesma que coloca ditadores no poder e marcha a passos de ganso para a prática de violências várias contra seus semelhantes. Daquela que declara que as injustiças “são da vontade de Deus” e não podemos fazer nada. Cumprir ordens ilegais os torna a todos cumplices, seja ao prejudicar em alguns reais um colega de trabalho, seja ao cercar grupos de homens para a câmara de gás. Pensar que está apenas cumprindo ordens pode acalmar essa sua já pouco lúcida consciência, mas não o torna menos mau caráter do que quem mandou.
E não venham com a esfarrapada desculpa de que se eu não fizer me demitem e outro faz. Porque não cola. Eu não fiz, e não sou mais ou menos homem que ninguém. Eu disse não. Podem enganar, agir de forma ilegal, transformar gente em gado, matar, torturar, enfim, praticar todas essas coisas que vemos dia a dia, mas não será com a minha ajuda e contribuição. Não somos máquinas. Ninguém programa ou aperta nossos botões, nos fazendo agir sem tugir nem mugir. Não somos máquinas.
Sabe mesmo sem me considerar herói ou santo, tenho certo orgulho do que fiz naquela época. Sofri? Muito. Dias e dias distante de quem amava, 7 a 8 horas de viagem em uma estrada difícil, onde o único consolo era saber que logo estaria com minha mulher e filhos. Mas, o que mais valeu, era poder pegar meu filho no colo, e olhar tranquilo em seus olhos, beijar minha esposa sem sentir vergonha. Comer o pão de cada dia com a alma tranquila; aquele pão foi fruto do meu trabalho, e não de “apenas cumprir ordens”.
Para vocês que apenas cumprem ordens; é possível ser melhor que isso.  
Para vocês que apenas cumprem ordens, espero que Deus os perdoe por isso. Porque eu, que já descumpri e desagradei esses “poderosos”, nunca o farei.  
Que a vida lhes seja leve.

Um comentário:

  1. Dilson... infelizmente é o que nos vemos mais em quase todas as grandes empresas de nosso país. Frases de que minha empresa não tem coração e sim CNPJ ganham força dia a dia na mente dos diretores e seus subalternos como se fosse palavras mágicas para o sucesso. Ótimo artigo.

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